Empresas miram público feminino no agronegócio

Texto: Cássio Filter, Editora Gazeta

Amplos decotes, saias curtas e macacões justos já não colhem os mesmos resultados de outros tempos nas feiras milionárias do agronegócio. Quem vive no setor concorda que o figurino mais sóbrio e elegante das recepcionistas, e o tom menos festivo e mais formal das abordagens, são apenas o início de uma transformação na maneira das marcas se comunicarem com o produtor rural.

A mudança não germina ao acaso. Segundo a Associação Brasileira de Marketing Rural, nos últimos quatro anos a presença feminina em funções de decisão nos empreendimentos rurais apresentou salto impressionante, triplicando sua importância na gestão da atividade de 10% para 31%. Ou seja, as empresas perceberam que agradar aos olhos masculinos com modelos em trajes apelativos significa desagradar um terço dos potenciais clientes. No caso da agricultura familiar, esta nova realidade é nítida, de acordo com a coordenadora da área de Mulheres Rurais, Juventude e Educação do Campo da Emater/RS-Ascar, Clarice Böck.

Na maioria das propriedades, o trabalho é feito em conjunto. O setor do leite é um bom exemplo. Por isso, a administração também é compartilhada. Na hora de decidir os investimentos, a mulher opina. Será uma realidade cada vez mais comum a esposa sentar com o marido, tanto nas lojas de implementos e defensivos, como nos bancos para tratar de custeios e financiamentos”, comenta.

A responsável pelo marketing de uma grande fabricante de máquinas agrícolas, que prefere o anonimato, confirma a reviravolta na relação com o consumidor, principalmente nos eventos. “É um assunto delicado. Ninguém se pronuncia oficialmente, mas percebemos sim que as roupas provocantes e a erotização passaram a manchar o nome das empresas. Com as redes sociais, imagens das modelos vestidas de forma ousada e com as marcas começaram a circular de uma forma impressionante. E, lógico, choveram reclamações, tanto de mulheres como de homens. Até mesmo para nós, mulheres que trabalham com o agronegócio, ficou complicado, pois vincula”, relata.

A executiva enfatiza que o rompimento das grandes empresas com o modelo antigo precisou ser drástico para reverter a imagem anterior. “Basta olhar hoje. É nítido que as mulheres começaram a frequentar mais as feiras, principalmente como clientes.”

Novo momento

Proprietário de uma empresa que intermedia a contratação de recepcionistas para eventos em dez estados e com um catálogo de mais de dez mil perfis, o carioca Washington Dreux confirma o novo momento dos eventos agrícolas. “Alterou muito, principalmente nos últimos dois anos. Foram três ou quatro empresas grandes que fizeram esta mudança. Daí outras começaram a seguir. Faz sentido. É um ambiente de negócios, né? E além das empresas optarem por mais discrição, muitas modelos também não aceitam determinados trajes, como macacão branco colado ao corpo ou algo que exponha muito o quadril ou o busto”. Já em eventos de outros segmentos, como carros e motos, em que o público consumidor é essencialmente masculino, a valorização do corpo feminino ainda é muito presente e não apresentou mudança, segundo Dreux.

Eventos exclusivos para mulheres

A atenção ao público feminino vem sendo tão enaltecida que eventos específicos para as mulheres vêm ganhando corpo. O coordenador de marketing de outra grande empresa do setor, que também prefere não se identificar, argumenta que esta é uma tendência, já que a mulher gere a propriedade de uma maneira diferente e vê os negócios por outro prisma. “Nós nunca tivemos ações de publicidade específicas para o público masculino, mas para o público feminino acreditamos que seja uma excelente opção. Já tivemos algumas experiências positivas. Chegamos a fazer um dia de campo exclusivo para elas, em que estiveram 850 mulheres”, exemplifica.

Equilíbrio de poder

Para a presidente da Comissão de Produtoras Rurais da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Zênia Aranha Silveira, a nova geração de homens e mulheres que vivem no campo enxerga como uma necessidade o equilíbrio de poder entre os cônjuges para o sucesso das propriedades. “Geralmente o homem cuida da parte mais técnica da produção e a mulher da parte administrativa. Mas isto não é uma regra. Hoje há mulheres em todas as áreas do agronegócio, desde a pesquisa até a engenharia de equipamentos.” Zênia considera, porém, que o caminho ainda é longo para que as mulheres atinjam uma igualdade de protagonismo no segmento. “Antigamente, nos eventos, não havia mulheres nas mesas de autoridades. Hoje, a presença já é normal. Mas no meio rural ainda predomina a visão masculina das coisas. É uma mudança lenta, mas que já iniciou e é irreversível.”

Aline Maicon vão juntos a feiras e dias de campo: decisões sempre em conjunto.
Foto: Cássio Filter

A geração Z do campo

Maicon Neu tem 20 anos. Aline Somavilla, 18. Namoram há quatro anos, mas moram juntos desde o início de março. Naturais de Estrela Velha, vivem em Encruzilhada do Sul, onde administram juntos uma propriedade dos pais de Maicon, com 180 hectares e lavouras de soja, milho e aveia. Também em conjunto fazem o curso técnico em agropecuária, para aprimorar a gestão tanto na parte administrativa quanto técnica. “As nossas famílias são do meio rural. E nós queremos continuar. Para isto, estamos fazendo uma sucessão planejada. Estamos nos aprimorando”, comenta ele.

Aline acompanha o namorado em tudo que se relacione à propriedade e sempre participa de todas as decisões. Os dois vão juntos a feiras, dias de campo e eventos técnicos. “A gente está construindo o nosso futuro. E já que é para os dois, então que possamos dividir as decisões e as responsabilidades”, diz ela, que sorri junto com ele. Maicon, além de concordar,  ressalta que nem cogita gerir a propriedade sozinho. “A gente se ajuda. E os dois precisam entender de tudo. Daí um apoia o outro. Eu gosto mais da parte técnica, das máquinas, sementes, produtos. E a Aline gosta desta parte de administração, cálculos. Daí é um complemento.”

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