O melão potiguar tem muito a nos ensinar

Na semana passada, tive a oportunidade de viajar ao Rio Grande do Norte, no Nordeste brasileiro, para representar a Editora Gazeta na 30a Feira Internacional da Fruticultura Tropical Irrigada (Expofruit). O evento foi realizado de 23 a 25 de agosto em Mossoró, a mais de 280 quilômetros da capital, Natal. Por lá, além de conferir as novidades em insumos e tecnologias para o cultivo de frutas, também pude conhecer o trabalho da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) e ver de perto as lavouras na fazenda Dinamarca. Cito no título desta reportagem que a produção potiguar de melão tem muito a ensinar em função de um fator específico: a estiagem prolongada e característica do semiárido nordestino. Por lá, quase toda a precipitação anual se concentra nos meses de fevereiro, março e abril; praticamente não chove de junho a dezembro. Ainda assim, o RN é responsável por 60% da produção nacional da fruta e destina mais de metade dela para a exportação, com destaque para Inglaterra e Holanda, mas de olho na conquista de novos mercados. – Iuri Fardin, jornalista da Gazeta.

Começo de tudo remete à antiga Maísa

Antes de tratar sobre o panorama atual da fruticultura no Rio Grande do Norte e, sobretudo, em Mossoró, é preciso falar sobre a Mossoró Agroindustrial S.A, empresa que ficou conhecida como Maísa e teve papel fundamental em iniciar e estabelecer diversas culturas na região ao longo das décadas de 1960, 70 e 80. Com a crise econômica enfrentada pelo Brasil na primeira metade dos anos 1990, a companhia não resistiu e decretou falência, mas deixou um legado de propriedades produtoras e trabalhadores capacitados e experientes. Um deles é Ajax Dantas, sócio-proprietário da Dinamarca Industrial Agrícola, uma das principais produtoras daquele município. Dantas trabalhou na Maísa e, depois, passou a plantar de forma independente, até chegar ao patamar atual: duas fazendas que, juntas, cultivam cerca de 500 hectares de melão e melancia. Para aqueles que se perguntam como é possível esse sucesso onde a estiagem predomina por mais da metade do ano, a resposta é uma só: irrigação. A água usada para esse fim é retirada, em grande maioria, de aquíferos subterrâneos e aplicada com precisão por meio do sistema de gotejamento. São cultivadas as variedades de melão gália, cantaloupe, cantaloupe italiano, orange fresh, bambino e amarelo, com subtipos entre elas.

Chama atenção ainda o tamanho das frutas, reduzido em relação ao que o consumidor brasileiro está acostumado. Isso é para agradar ao público estrangeiro, que prefere as unidades menores. Além disso, o processo de embalagem e transporte também se torna mais fácil. Todo o processo de colheita, higienização, separação e empacotamento é feito dentro da propriedade, de modo que as cargas já saem prontas para chegar ao cliente final em supermercados, feiras, fruteiras e outros estabelecimentos.

Para que os trabalhadores saibam onde está cada variedade e qual a etapa do desenvolvimento, a fazenda é dividida em dezenas de lotes. “Esse em que nós estamos agora é o 53 e sempre vai ser, mesmo que não haja nenhuma planta aqui. Tudo é georreferenciado e o comprador pode consultar a origem por meio de um QR-Code específico, presente em todas as caixas”, comenta o produtor.

Capacitação da mão de obra e novas tecnologias

A programação da 30ª Expofruit ocorreu ao longo de três dias e se dividiu entre a parte do dia, com visitas às propriedades e palestras na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), e a noite, com a abertura dos estandes na Estação das Artes, no Centro de Mossoró. Em ambas, os visitantes tiveram a oportunidade de conversar com especialistas e ver de perto as novas tecnologias que chegam ao campo. O destaque, sem dúvida, foi para os drones, que estão com dimensões cada vez maiores e capacidades inéditas. O responsável por apresentar essas tendências à plateia foi o professor e pesquisador Lúcio André de Castro Jorge, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Entre as novidades trazidas por ele, chama atenção o uso de sensores acoplados a drones ou nanossatélites que são capazes de monitorar uma lavoura inteira a distância, identificando os estágios de desenvolvimento dos vegetais e a presença de pragas logo nos primeiros dias, além das necessidades hídricas e de nutrientes. Apesar de ainda muito caras, Jorge acredita na queda dos custos conforme a demanda crescer.

Esses equipamentos também podem desempenhar várias outras funções, algumas delas um tanto quanto inusitadas, como a identificação e frutas maduras e a colheita delas. “Tratando de uma realidade mais próxima, acredito que os drones para pulverização e semeadura têm um grande potencial dentro da fruticultura.” O volume quase ilimitado de dados gerados possibilita a emissão de relatórios detalhados e uma administração cada vez mais precisa das propriedades, por meio de sistemas específicos para esse fim. Essa mudança drástica, de acordo com o profissional, já está acontecendo e não deve demorar para tomar conta do meio agrícola. “Eu diria que, nos próximos dois ou três anos, nós teremos uma revolução com o uso da inteligência artificial. Será uma mudança de paradigmas que vai atingir desde os grandes até os pequenos agricultores.” Destacou ainda a importância de eventos como a Expofruit para aproximar a ciência e a tecnologia da cadeia produtiva e informá-la sobre as possibilidades que se abrem a cada dia. Castro Jorge observa, contudo, a necessidade de capacitar a mão de obra para operar esses aparelhos. “Eu diria que teremos uma mudança significativa quando as novas gerações assumirem o comando das propriedades, porque elas já estão muito mais acostumadas e aptas a esses avanços.” Por fim, convocou governos e instituições educacionais a focarem seus esforços na oferta de cursos, capacitações e treinamentos para evitar uma possível escassez de operadores qualificados nos próximos anos.