Cigarrinha enfezada exige cuidados no milho

Nas duas últimas safras, os enfezamentos, transmitidos pela cigarrinha-do-milho foram uma das principais ocorrências em milharais do Brasil

Os enfezamentos do milho têm se destacado entre as doenças mais preocupantes da cultura nas últimas safras, com perdas severas em diversas regiões do País. As perdas devidas aos enfezamentos podem chegar a 100%, em função da época de infecção e da suscetibilidade da cultivar plantada.

O pesquisador Luciano Viana Cota, da Embrapa Milho e Sorgo, explica que os enfezamentos são causados por bactérias da classe Molicutes, caracterizadas pela ausência de parede celular. “Os molicutes infectam as plantas de forma sistêmica, resultante da colonização e infecção dos tecidos do floema”. Em milho, dois sintomas de enfezamento são conhecidos, enfezamento-pálido e enfezamento-vermelho, ocasionados pelo procarionte Spiroplasma kunkelii Whitcomb (Corn stunt spyroplasma) e por Phytoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma), respectivamente. Ambos são transmitidos de forma persistente propagativa pela cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis DeLong & Wolcott) (Homoptera: Cicadellidae).

Além dos molicutes, a cigarrinha também transmite a virose conhecida como raiado-fino. “Nas fases iniciais da lavoura, quanto maior a população de cigarrinha, maior será a necessidade de proteção das plantas. Quanto mais cedo os sintomas se manifestarem, maiores serão os prejuízos. Embora estejam presentes em todas as regiões produtoras, nas últimas safras, os enfezamentos se destacaram entre as doenças de milho nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, e no oeste da Bahia. Nas últimas safras, a doença tem ocorrido em elevada severidade em lavouras plantadas na região Sul do Brasil”, relata Luciano.

Segundo ele, as plantas com enfezamento apresentam redução de crescimento e desenvolvimento, entrenós curtos, proliferação e malformação de espigas, espigas improdutivas e enfraquecimento dos colmos, com favorecimento de infecções fúngicas que resultam em tombamento. “Os sintomas do enfezamento-pálido são caracterizados por estrias cloróticas delimitadas, que se iniciam na base das folhas, plantas com altura reduzida, encurtamento de entrenós, brotos nas axilas foliares e cor avermelhada em folhas, podendo ocorrer enfraquecimento dos colmos e proliferação de espigas”, refere. “Já no enfezamento-vermelho os sintomas são amarelecimento e/ou avermelhamento das folhas, geralmente iniciando pelas bordas, perfilhamento e proliferação de espigas por planta”.

A cigarrinha do milho é um inseto relativamente pequeno, medindo de 3,7 a 4,3 mm de comprimento, com fêmeas geralmente maiores que machos. As características da cigarrinha são coloração palha com manchas negras no abdômen e duas manchas negras na cabeça, similares a olhos escuros. Adultos e ninfas vivem em colônias no cartucho e em folhas jovens do milho, e ambos sugam a seiva das plantas, onde adquirem os patógenos e posteriormente os transmitem de forma persistente propagativa.

“O sistema de cultivo do milho no Brasil em duas safras, no verão (primeira safra) e na safrinha (segunda safra), permite que haja uma ponte verde da cultura e possibilita também que o ciclo de vida da cigarrinha se complete, favorecendo o aumento de sua população. Embora possa ocorrer na primeira safra, as populações de cigarrinha aumentam no período da segunda safra ou em plantios tardios, e resultam em maior incidência dos enfezamentos”, enfatiza. “Além disso, em função do milho com resistência a herbicida, maior dificuldade tem sido encontrada para controlar a tiguera, como é chamado o milho voluntário que fica nas lavouras durante todo ano.”

“Assim, a manutenção de plantas de milho nas áreas de lavoura é condição favorável para permanência dos patógenos e do vetor. Daí a importância de quebra do ciclo biológico da cigarrinha e da ponte verde na cultura. Na ausência do milho, a cigarrinha poderia utilizar a migração a longas distâncias como estratégia de sobrevivência, bem como a diapausa (espécie de estado de dormência em insetos) em restos culturais de milho e outros hospedeiros e em plantas voluntárias”, complementa.

NA COLHEITA – O manejo dos enfezamentos inicia-se na colheita de milho da safra anterior, com uma boa regulagem das colheitadeiras, evitando que o mínimo de espigas e grãos fique na área para reduzir a população de milho tiguera. O pesquisador Luciano Cota cita as etapas importantes deste manejo. “Primeiro, deve-se eliminar o milho tiguera presente na área antes da semeadura da cultura do milho. A eliminação de plantas tiguera está entre as recomendações mais importantes a ser adotada em áreas com infestação de cigarrinha e enfezamento, pois elas são fonte de inóculo da cigarrinha, dos molicutes e do vírus do raiado-fino entre lavouras e safras de milho”, frisa.

“Em seguida, deve-se realizar o planejamento dos plantios, evitando plantios de lavouras novas próximas de lavouras mais velhas. Deve-se também evitar semeadura em áreas próximas a lavouras com enfezamentos”. Práticas culturais podem ser associadas ao sistema de manejo para reduzir os prejuízos causados pelos enfezamentos, como a semeadura em épocas que garantam o bom desenvolvimento das plantas em boas condições fitossanitárias. Além disso, é recomendado não fazer semeaduras sucessivas de milho.

A escolha de cultivares com bons níveis de resistência aos enfezamentos também é essencial. “Então é preciso plantar mais de uma cultivar e fazer rotação de cultivares para evitar a quebra de resistência das cultivares e os danos provocados pelos enfezamentos. A resistência genética é a estratégia mais indicada para os enfezamentos. E para finalizar as orientações, é preciso também fazer o tratamento de sementes com inseticidas específicos para o controle de cigarrinhas e pulverizar a lavoura nos estádios inicias da cultura”, enumera Luciano.

PUBLICAÇÕES – O pesquisador Luciano Cota é um dos autores da cartilha “Manejo da cigarrinha e enfezamentos na cultura do milho”, desenvolvida pela Embrapa Milho e Sorgo, com apoio da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). O objetivo é informar o produtor rural e levar conhecimento técnico. O material orienta para o enfrentamento da cigarrinha-do-milho, a identificação do problema e o correto combate no campo. A cartilha pode ser acessada nos sites sistemafaep.org.br e sistemafaep.org.br.

A associação CropLife Brasil também organizou um e-book para disseminar conhecimentos e boas práticas para o produtor rural. A publicação digital “Guia de boas práticas para o manejo do enfezamento e da cigarrinha-do-milho” reúne informações colecionadas de diversas publicações e materiais educativos desenvolvidos pelos associados e seus parceiros, incluindo a Embrapa.

(Publicado no Anuário Brasileiro do Milho 2021 – Editora Gazeta)