A FALTA DE ÁGUA E OS DANOS NA SOJA

Os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná, segundo e terceiro maiores produtores de soja, deixaram de colher mais de 15 milhões de toneladas do grão, nas últimas safras. O prejuízo econômico foi na ordem de U$ 8 bilhões, considerando-se o valor de U$ 500,00 a tonelada, segundo levantamento feito pela Embrapa. A quebra na safra de soja no Sul do País vem sendo provocada pela falta de água para as plantas se desenvolverem plenamente. “Reparamos que a soja pode até suportar temperaturas mais altas, mas, quando há restrição de água, o dano para a planta é muitas vezes irreversível”, avalia José Renato Bouças Farias, pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina no Paraná.

Farias enfatiza a necessidade de uma mudança de comportamento em todos os setores com a intenção de preservar a água e mitigar a falta dela. Entre as ações de mitigação, ele cita as reconhecidas práticas de manejo e conservação do solo e da água, a diversificação de culturas, a utilização do plantio direto na palha, a preservação de nascentes, rios e margens de rios, a adoção de boas práticas de cobertura do solo, as práticas de sequestro de carbono, o respeito ao Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), entre outras.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com o início da primavera, em 2021, o clima passa a sofrer influência do fenômeno La Niña, que poderá impactar também a safra de verão, por causa das chuvas irregulares e da falta de água. Enquanto a variação do clima é responsável por aproximadamente 50% da oscilação de produtividade das culturas agrícolas, os aspectos relacionados à genética e ao manejo da cultura e do solo, respondem pelos outros 50%. “Portanto, há uma série de tecnologias agronômicas a serem adotadas, em curto, médio e longo prazos, para minimizar os efeitos dos veranicos sobre a soja, assim como outros eventos climáticos adversos que têm se tornado frequentes e mais intensos”, relata Farias.

Para diminuir o impacto da seca, Farias, destaca, por exemplo, o ajuste fitotécnico das cultivares, por meio da adoção de variedades adaptadas para cada região, com diferentes ciclos e semeadas, de forma escalonada, para aumentar as chances de escape das lavouras em relação à incidência de veranicos na fase de enchimento de grãos. “Chamamos de estratégia de escape para reduzir os prejuízos, porque se você planta a mesma cultivar em toda a lavoura e não escalona a semeadura é mais difícil diluir os riscos, se houver algum problema climático”, explica.

Ele também diz ser preciso ficar atento à definição de épocas de semeadura com menor risco de ocorrência de falta de água de acordo com o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) e o desenvolvimento de cultivares mais tolerantes à seca. As cultivares mais tolerantes à seca também podem contribuir na mitigação dos efeitos da seca na cultura da soja, além das estratégias de manejo.

No entanto, a pesquisadora Liliane Mertz-Henning observa que a tolerância à seca é governada por um grande número de genes, o que dificulta a introdução dessa característica por meio do melhoramento genético clássico. Neste sentido, pesquisas da Embrapa Soja, desenvolvidas em colaboração com institutos de pesquisa do Japão (Universidade de Tóquio, Riken, Japan International Research Center for Agricultural Sciences (Jircas) mostram que as ferramentas biotecnológicas podem contribuir com o aumento da tolerância à seca em soja.

 

ZONEAMENTO – O Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) é uma ferramenta de análise do risco derivado da variabilidade climática e que considera as características da cultura e do solo. Seu objetivo é reduzir os riscos relacionados aos problemas climáticos e permite ao produtor identificar a melhor época para plantar, levando em conta a região do País, a cultura e os diferentes tipos de solos. “Recomendamos evitar as regiões e épocas reconhecidamente de maior risco de seca para minimizar as perdas”, aponta José Renato Bouças Farias, da Embrapa Soja.

O modelo agrometeorológico considera elementos que influenciam diretamente no desenvolvimento da produção agrícola como temperatura, chuvas, ocorrência de geadas, água disponível nos solos, demanda hídrica das culturas e elementos geográficos (altitude, latitude e longitude). O acesso à ferramenta pode ser feito no aplicativo móvel Zarc Plantio Certo, desenvolvido pela Embrapa Informática Agropecuária (SP), que está disponível nas lojas de aplicativos iOS e Android. Os resultados do Zarc também podem ser consultados e baixados por meio da plataforma “Painel de Indicação de Riscos” e nas portarias de Zarc por Estado ().

 

ESTRATÉGIAS – Entre as principais estratégias indicadas para contornar o problema é a diversificação de culturas e a adoção de práticas de manejo do solo que melhorem a construção de perfil do solo para aumentar o armazenamento, o enraizamento em profundidade, a maior infiltração de água e o menor escorrimento superficial.

O pesquisador Henrique Debiasi ressalta que o consórcio de milho com braquiária é uma alternativa de diversificação que traz pouca mudança no sistema operacional, mas que gera grande impacto à qualidade dos sistemas de produção. A consorciação de milho com a braquiária é o primeiro passo para minimizar os efeitos da compactação do solo que, entres outros malefícios, atrapalha a infiltração de água. “Ao introduzir a braquiária no sistema produtivo, há aumento de palhada na superfície do solo e as raízes da braquiária funcionam como descompactadoras para melhorar a infiltração de água”, esclarece Debiasi.

 

PROGRAMA SBC – Os especialistas recomendam ainda a adoção de práticas que favoreçam o sequestro de carbono na produção de soja, o que é uma ação de mitigação para reduzir os gases de efeito estufa. A Embrapa Soja apresentou em 2021 a iniciativa do Programa Soja Baixo Carbono (SBC), que está reunindo diversos atores da cadeia produtiva para definir as etapas de construção da iniciativa a ser concluída em 2023. “O objetivo é que o Programa SBC ateste a sustentabilidade da produção de soja brasileira, tornando tangíveis aspectos qualitativos e quantitativos do grão, produzido com tecnologias e práticas agrícolas que reduzam a intensidade de emissão de gases de efeito estufa (GEEs)”, enfatiza o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno.

 

SOJA E ÁGUA – De acordo com José Renato Bouças Farias, da Embrapa Soja, as mudanças climáticas têm trazido elevação de temperatura, o que amplia a demanda da planta por água. A tendência é de secas mais frequentes e de chuvas torrenciais, em maior intensidade, ou seja, com distribuição deficitária ao logo da safra. Para produção agrícola, além de volume de chuva adequado, é necessário ter boa distribuição ao longo do ciclo. “Quando chove muito e o solo não está preparado para a descarga de água, perde-se água e solo por escorrimento, causando erosão”, declara.

 

(Texto publicado no Anuário Brasileiro da Soja 2021)