Peneira setorial

Diminuição do número de integrantes nas famílias também afeta o setor

Até mesmo os mais experientes produtores de uva, acostumados a períodos de instabilidades climáticas e de mercado, concordam que poucas vezes viu-se produtores de uva com realidades tão distintas dentro da mesma cadeia no Rio Grande do Sul, Estado responsável por 90% da produção de uvas para processamento no Brasil.

Ao mesmo passo em que alguns produtores conseguem excelente rentabilidade comercializando uvas de mesa, e que algumas vinícolas oferecem até bonificação, a diminuição do tamanho das famílias, a falta da sucessão nas propriedades e o estrangulamento do setor industrial pela política tributária são fatores que tiram o sono de quem tem nos parrerais não só um cultivo, mas um negócio e uma proposta de vida.

Para o vice-presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e coordenador da Comissão Interstadual da Uva no Rio Grande do Sul, Márcio Ferrari, a situação é preocupante. “O produtor faz o custeio em junho ou julho para a safra seguinte, com prazo de quitação de 12 meses”, refere. “Mas algumas vinícolas acabam pagando pela uva em até 18 meses. Fica inviável. É inevitável que se tenha gente abandonando o cultivo”. Ferrari diz compreender a situação de muitas vinícolas. “Elas precisam recolher todos os impostos da cadeia antes por conta da substituição tributária. Assim, o governo recebe antes de todo mundo, mesmo de quem cultivou a uva ou produziu o suco, o vinho e o espumante”, comenta, em tom de desabafo.

O dirigente cita a própria negociação do preço como um dilema para a cadeia e que retrata a complexidade do momento. “A uva está sem reajuste do preço mínimo de R$ 0,92 há dois anos e o custo de produção, fechado em agosto de 2018, está em R$ 1,09 pelo quilo, empurrado para cima por conta dos aumentos da energia elétrica, do diesel e dos insumos e defensivos importados afetados pelo dólar”, menciona. “Mas, ao mesmo tempo, sabemos que a indústria também está sem margem, pelo contexto tributário e pelo momento econômico do País.”

Outro agravante, em seu entender, é a questão social. Como toda a base produtiva tem o modelo de agricultura familiar, a diminuição do número de membros na família tem obrigado produtores a contratar mão de obra para a hora da colheita. Porém, há pouca oferta, e o custo é elevado. “Na pequena propriedade, o lucro do produtor vem da própria mão de obra. É o tempo dele que monetiza o negócio. No restante, empata ou perde. Então, esta é outra questão que compromete o contexto”, alerta.


SELEÇÃO NATURAL

O presidente da Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi), Darci Dani, acredita que o setor, assim como outros do agronegócio, está passando por uma seleção natural, tanto em relação a empresas quanto a produtores. “Quem não estiver com o custo bem ajustado vai ficar pelo caminho. E, no caso dos produtores, já percebemos pelos índices de produtividade que o manejo é muito mais científico do que em outros tempos”, comenta. “Existe assistência e comprometimento com a qualidade. Os que aderirem a este caminho se manterão”, projeta. Dani ressalta que o Ibravin, junto com órgãos dos governos estadual e federal, tem buscado oferecer cursos de aprimoramento na produção e na gestão das propriedade para qualificar os produtores.