Melhor do que a encomenda

O efeito chinês foi fundamental para construir o cenário de negócios

O mercado brasileiro de soja e derivados apresentou características muito peculiares ao longo de 2018 sob influência de três fatores em especial: o comportamento do câmbio, a disputa comercial entre Estados Unidos e China e a colheita frustrada da Argentina, afetada pela seca.

Se por um lado os chineses passaram a buscar mais soja no Brasil por conta do desentendimento comercial com os norte-americanos – e cobrindo com prêmios nos portos a queda das cotações da Bolsa de Chicago – e da menor oferta argentina, por outro lado o dólar mais valorizado fez os preços em moeda brasileira tornarem-se ainda mais atraentes.

Este cenário gerou disputa entre indústrias de esmagamento e exportadores de grão pela matéria-prima em algumas regiões, ajudando a consolidar rapidamente a valorização interna. Até o final de setembro o cenário manteve-se remunerador por estas circunstâncias, em que pese os problemas acarretados por um locaute de caminhoneiros e empresas de transporte, que resultou na majoração do frete por decreto, agregando custos aos exportadores e às indústrias. Às vésperas das eleições no primeiro turno, o câmbio fortaleceu o real e acalmou o mercado. Mas o custo do transporte passou a afetar a nova safra em vias de ser plantada.

Leonardo Amazonas, analista de mercado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), lembra que o ano começou com as cotações da soja na Bolsa de Chicago equilibradas entre US$ 9,00 a US$ 9,50 por bushel. “Uma quebra na safra argentina gerou pequeno aumento na CBOT (Bolsa de Chicago), e uma previsão de que os EUA iam plantar 1% a menos ajudou a elevar os preços internacionais. As cotações, na Bolsa, subiam, até que se iniciou a guerra comercial e a safra americana confirmou-se como recorde”, lembra.

Com os chineses negando-se a comprarem soja dos EUA, a projeção dos estoques na América do Norte subiu e os preços caíram, a ponto de o governo anunciar subsídio ao produto norte-americano em busca de alavancar as exportações para outros destinos, melhorar o consumo interno, diminuir os estoques e compensar em parte a perda do grande cliente asiático.

EFEITO PRÁTICO

Com a avidez chinesa pelo grão nacional, as exportações cresceram como nunca, a ponto de reduzirem levemente o esmagamento e levarem à indicação de um dos mais baixos estoques de passagem da história recente. “Este cenário deve se manter, desde que a demanda da China permaneça”, explica Leonardo Amazonas, da Conab, estimando aumento de área em 3% para a soja no Brasil na temporada 2018/19 que já está sendo plantada. Ainda assim, a produção deve ser igual, em torno de 120 milhões de toneladas, porque o clima tende a não alcançar a condição de excelência do ciclo 2017/18.

Ele argumenta que, por uma situação de logística e posicionamento no mercado, atualmente para o Brasil é melhor vender o grão para o mercado externo. “Por toda a estrutura de logística e processamento, a China adquire matéria-prima. O mercado global que sobra para óleo e farelo, em comparação, é pequeno. E o Brasil teria maior custo para competir, em especial pelos subsídios norte-americanos”, reconhece.

Como a demanda pelo grão determina o prêmio, e o mercado internacional sinaliza para comprar do Brasil e não dos EUA, os preços evoluíram. Tanto que baixaram muito nos Estados Unidos até o início de outubro e aumentaram no Brasil. A média de setembro bateu em US$ 2,20, mais CBOT indicando em torno de US$ 10,50, e, com as cotações mais altas até o final de setembro, houve momentos em que a saca de soja chegou em alguns portos perto de R$ 100,00, descolando do preço de paridade.

A comercialização da safra 2018/19 manteve-se lenta, seja pela expectativa de safra, pelo câmbio ou pelo frete mais alto (em média em 5%). Alguns produtores se negaram a fechar contratos futuros em setembro por R$ 77,00 de referência. “Na média histórica é um preço bom, mas o sojicultor estava convencido de que iria subir mais”. A indefinição eleitoral, seguida da polarização, gerou fortes oscilações nas cotações do dólar (entre R$ 4,15 e R$ 3,70). E isso também afeta o fluxo do mercado spot e futuro.